A estudante de medicina, bolsista do Prouni, que chegou a São Paulo com uma sacola cheia de miojo nas mãos e fez o ex-presidente Lula chorar, abre o livro da vida e nos conta como o movimento estudantil entrou em sua história e permanece até hoje.
“Desde pequena eu queria ser médica”. Esse é o sonho de Vanessa Castilho, 32 anos de idade, católica, corintiana, estudante de medicina na Universidade Nove de Julho (Uninove) e Diretora Executiva da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP).
Sentada no sofá-cama na sala de seu apartamento, no bairro da Liberdade, com um netbook rosa sobre o travesseiro em seu colo, a estudante abriu o livro da vida e nos contou histórias emocionantes, enquanto terminava um trabalho acadêmico para entregar no dia seguinte. Divide um apartamento, pequeno, com Lais Gouveia, amiga e vice-presidente regional por São Paulo da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Filha de uma tradicional família católica, Vanessa sempre foi muito atuante na igreja, sendo até professora de catequese; mas mesmo dentro da religião muita coisa faltava. Estudou Kardecismo por um tempo e foi participando de alguns cultos para conhecer melhor o espiritismo. “Obtive algumas repostas, mas não me converti. Não sou uma espírita kardecista, continuo sendo católica pela fé em que fui criada e pelo vínculo familiar que tenho”.
Seus pais, o pedreiro Ismael Fiuza Castilho, 70 anos e a dona de casa Tereza Maria de Castilho, 60 anos, são católicos praticantes. Dona Tereza não é beata de igreja, mas é mais rígida do que o senhor Ismael quando se trata de religião. Sempre foi muito religiosa, tem muita fé e convicção das coisas.
Além de religiosos, a família Castilho tem uma paixão em comum com muitos brasileiros: o futebol. Não são “um bando de loucos”, mas são tão fanáticos pela Fiel, que quando alguém vai assistir a um jogo na casa dos pais da estudante, sua mãe não deixa o convidado comemorar caso ele não seja corintiano. Mas, em contrapartida, se o Corinthians marcar um gol, dona Tereza é a primeira a zombar do convidado. A estudante nunca foi a um estádio assistir uma partida de futebol e nem assiste com frequência aos jogos pela tevê, mas diz que o Corinthians “é um time que traduz a população brasileira” e conclui esperançosa: -“sempre vamos lutar até o fim e se não conseguirmos muita coisa, vamos continuar batalhando”.
O movimento estudantil chegou muito cedo, e involuntário, à vida da militante. Aos treze anos foi convidada, mesmo sem saber como funcionava, a montar um grêmio estudantil em sua escola. Os mais velhos a explicaram como funcionava a organização representante dos estudantes, mas a prounista não lembra o cargo que ocupava no Grêmio Estudantil Geraldo Vandré. “Na época havia muitas greves de professores que interrompiam as aulas até dois meses, era gritante. Nós não entendíamos o porquê daquilo, até que um dia nós queríamos melhorias na quadra e resolvemos parar também. Paramos a frente do colégio e fomos todos parar na delegacia”.
Dona Tereza reprovou a participação de Vanessa nos manifestos sociais, mas seu Ismael ficou muito orgulhoso, não da filha ter ido parar na delegacia, mas em ter participado dos manifestos.
Como sua família sempre foi envolvida na política, desde os cinco anos a estudante estava em cima de um palanque. Seu pai já foi candidato a vereador e foi eleito suplente uma vez.
Vanessa sempre foi muito comunicativa e cantava na igreja. Aos 17 anos foi abordada, na rua, por alguns rapazes da rádio comunitária de sua cidade e foi convidada a ter um programa no veículo. Mesmo sem formação e experiência na área de comunicação, a jovem aceitou o convite e trabalhou até os 22 anos no ramo. “Ninguém queria aquele horário, sobrou e eu acabei aceitando”. Com o tempo Vanessa se especializou e transformou aquilo em profissão. Fez um curso de clínica química de voz e tirou o seu DRT. Ficou quase quatro anos trabalhando nessa rádio.
Mesmo sem jornalista responsável e com muitos erros, o programa - carro chefe da rádio -, era jornalístico e durava cerca de quatro horas todos os dias.
Hoje quando a estudante volta para a sua cidade, muitas pessoas a conhecem. “Você acaba virando uma celebridade instantânea”, brinca.
O maior sonho de Vanessa, citado nas primeiras linhas dessa entrevista, é o de ser Médica. Mas a família, pobre, não podia custear seus estudos. Aos 20 anos ingressou no seu primeiro curso superior e estudou durante um ano Pedagogia. Por não gostar, largou e resolveu fazer direito. Na faculdade montou uma chapa e concorreu ao Diretório Central dos Estudantes (DCE). Foi eleita vice-presidente.
Trancou a faculdade e foi morar em Londrina, Paraná. Teve síndrome do pânico ao ver um amigo ser sequestrado e voltou para o interior dois anos depois.
Resolveu focar no que realmente queria para a vida - ser Médica. Dona Tereza, preocupada, não gostou da ideia da estudante arriscar novamente, porque dizia que não tinha dado certo a primeira vez. Mas a jovem insistiu: “estou dando um passo para trás, para poder dar um passo para frente mãe”.
Para poder vir para São Paulo, prestou vestibular na Escola Técnica Estadual (ETEC) - para usar como pretexto -, e passou. A estudante chegou a São Paulo com duas sacolas de feira nas mãos - uma cheia de roupas e a outra cheia de macarrão instantâneo (miojo). Como seu pai também trabalha de vigia em um supermercado, havia comprado uma caixa do macarrão instantâneo, fez um acordo com o repositor e trocaram por vários sabores.
Em agosto de 2007 Vanessa prestou o Enem e junto com ele prestou um concurso público para a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Foi aprovada em outubro e nomeada para trabalhar como agente de vigilância e segurança na Penitenciária Feminina Sant’Ana, situada no antigo quadrilátero do Carandiru. “O que mais me marcou nessa fase da minha vida, foi quando uma colega entrou às cinco da tarde para fechar as celas e as presidiárias a pegaram pelo cabelo e a trancaram dentro do raio (uma das subdivisões dos pavilhões). Nós precisamos intervir e isso não foi nada legal”.
Em novembro, a nota do Enem saiu, e como Vanessa não tinha computador, foi até a Lan House mais próxima para conferir sua média. “Eu não acreditava. Quando eu abri o site e vi a nota eu comecei a chorar na Lan House. Olhava várias vezes o meu CPF para conferir direito”. Vanessa Castilho quase gabaritou o Enem, obtendo 975 pontos e realizando o sonho de cursar medicina. “Eu não dormia e só depois de sete dias que eu percebi que a minha nota era alta, que eu fiquei despreocupada. O japonês, dono da lan, até ficou assustado”.
No quarto ano de Medicina, Vanessa lembra que o movimento estudantil voltou a fazer parte da sua vida no primeiro semestre. Tornou-se representante de turma no primeiro semestre e hoje é presidente do Centro Acadêmico de Medicina da Uninove.
Depois de realizar o seu sonho e estar de fato cursando Medicina, a estudante não parou de atuar no movimento estudantil. Conheceu a União Nacional dos Estudantes (UNE) por intermédio de Augusto Chagas, ex-presidente, Marina Cruz, ex-diretora da UEE-SP e Laís Gouveia, atual vice-presidente regional por São Paulo da UNE. “Me trouxeram para esse movimento estudantil mais politizado e respeitado pela sociedade como um todo”.
Neste ano [2011] foi candidata a presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Uninove e obteve cerca de 15 mil votos. Sua chapa foi reconhecida pela UNE como o DCE vigente, por ter sido eleita democraticamente, mas dentro da universidade existe um DCE que está no poder a pouco mais de nove anos e fez uma alteração estatutária para se auto eleger. Vanessa não tomou posse, pois a universidade não quer se pronunciar e deixou a justiça decidir o caso. Enquanto a justiça não se pronuncia para ver qual gestão vai prevalecer, o DCE antigo continua no poder.
Em julho deste ano, aconteceu em Goiânia-GO, o 2º Encontro Nacional de Prounistas que fazia parte da programação do 52º Congresso Nacional da UNE (CONUNE). Vanessa foi convidada para representar os estudantes prounistas de todo o Brasil na abertura do encontro.
“Fui pega de surpresa com o convite do encontro, porque eu não sabia que o [ex-presidente] Lula e o [Ministro da Educação] Haddad estariam lá. Foi um susto”.
A prounista representou milhões de sonhos da juventude brasileira. Fez uma homenagem ao ex-sindicalista lendo uma carta de duas páginas. Abaixo segue um trecho da carta:
“Presidente Lula , meu nome é Vanessa Castilho, tenho 32 anos, sou de São Paulo, filha do Senhor Ismael e da Dona Tereza , um pedreiro, e uma dona de casa e pelo Prouni, hoje sou estudante de medicina do quarto ano na Universidade Nove de Julho. Presidente Lula, os pobres deste país chegaram à universidade e podemos gritar bem alto para quem quiser ouvir: o filho do pedreiro vai virar doutor!”
Vanessa conta que quando olhou para o lado, o Lula estava chorando.
No congresso, a estudante filiou-se a União da Juventude Socialista, maior força política de juventude do Brasil. Hoje é Diretora Executiva de Escolas Particulares da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP).
A prounista nunca imaginou que um dia seria diretora da UEE-SP. “Quando eu vim para São Paulo eu descobri que existia um movimento maior, que não discutia uma mudança apenas no meu colégio, mas que discutia políticas públicas para educação não só do meu estado, mas de todo o Brasil”. E conclui, triunfante: “Os pobres deste país, que começaram a alcançar o desenvolvimento econômico, serão também a verdadeira elite intelectual do Brasil.